O PÃO DO TEMPO
Diziam-me que amanhã seria o primeiro dia
depois de amanhã em que não seria preciso
pensar no que há para fazer, nem em fazer
o que há para pensar. Deixei correr o tempo; e
as coisas avançaram sem que amanhã chegasse,
e sem que depois de amanhã me pudesse
lembrar que tinha de pensar no que havia
para fazer. Juntei todas as coisas no alguidar
do poema, onde a massa dos instantes
fermentava. O que eu tinha de fazer
era metê-la no forno da eternidade,
depois de bem amassada; mas esqueci-me,
e quando voltei ao poema
a eternidade estava cheia de um musgo feito
das horas e minutos que eu perdera a pensar
noutras coisas. Ainda espreitei o forno:
mas a lenha ardera até se transformar em
cinza, e em fumo efémero dissipava-se
no céu estranho desta memória de amanhã.
Nuno Júdice
p. 76 – A matéria do poema
Ed. Dom Quixote - 2008
Tratamento digital sobre fotografia
à Lua em quarto crescente, madrugada gélida
de Fevereiro de 2012, Chainça - Fátima,
através do tronco e ramos dum Lódão.
A ansiedade do momento na Grécia,
em Portugal e...
é muita.
Como calar esta nossa expectativa?
Deixem-nos, ao menos,
desabafar!
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