À atenção da Marinha Grande:
Eis a forma, como num distante mês de Abril, num dia dos idos anos 30 do século passado, «Fitava» Acácio de Paiva, lídimo poeta Leiriense, como bem deveis saber e conhecer da sua poesia:
Coração de mulher
(titulo eu, que o autor não se dava a esse trabalho… escrevia em verso uma Fita por Semana e pronto. ..
“Fama e proveito pelo que escrevia? Tanto se lhe dava... como se lhe deu!..”.
Aqui nasceu Acácio de Paiva
1863-1944
II
Passo adiante, mas não largo o assunto
Sem lhes dizer que na Marinha o hotel
Se não é dirigido por Vatel
É por Vatel há muito ser defunto.
Só lhes digo que havia entre os manjares
Um doce, julgo eu, de claras de ovo,
Alvo como as toalhas dos altares
E capaz de fazer subir aos ares
Clero, nobreza e povo!
Era renda, era espuma,
Uma carícia de anjo, uma esperança,
Uma quimera, um beijo de criança,
Era um amor, em suma!
E, para mais encanto, a criadinha
Que serviu ao jantar (a mais gentil)
Das «sopas» da Marinha,
Fresca como um botão no mês de Abril,
Que uma abelha cobiça mas não fere)
Quando, sorrindo, a sobremesa trouxe
Disse o nome do doce:
«Coração de mulher»!
Estão a ver como o comi então:
Tomei-o, com respeito, na colher,
Rezei-lhe mentalmente uma oração
E meti-o na boca perturbada
Como quem mete a hóstia consagrada
No dia da primeira comunhão!
Coração de mulher! Ficai sabendo,
Senhoras minhas, quando me enganardes,
Que não castigarei o crime horrendo,
Pois que os enamorados são cobardes,
Mas que peço à servente
A receita do doce, e ao chá das cinco,
Voluptuosamente
O coração vos trinco!
In “Fitas da Semana”, Diário de Notícias de então… entre 1934-1938.
@as-nunes