Monday, April 10, 2006

Cartoon, cartune ou cartum?


Por minha parte, que tento acautelar o mais que me é possível a portugalidade da nossa língua, fiquei satisfeito quando apareceu, há dois ou três anos, um novo dicionário da Língua Portuguesa (em dois ou três volumes). Na falta de funcionamento de um mecanismo oficial de regulamentação da nossa língua, mecanismo que infelizmente não existe, saudam-se redobradamente as iniciativas privadas. Já que a língua portuguesa "caíu na rua" (creio mesmo que caíu na valeta...) pois que seja na rua que se "regulamente"!Espreitei o dicionário (é muito caro e um tanto equívoco, para que eu me tivesse decidido a comprá-lo) e reparei que ele aportuguesa a palavra cartoon, criando o neologismo cartune. Entusiasmei-me com a novidade e desatei a escrever "cartune" por tudo quanto é papel (vegetal ou virtual). Mas reparei que, se não estava sozinho, estava pouquíssimo acompanhado. E arrepiei caminho. Regressei ao anglicismo cartoon. Porque, se estamos em minoria, não temos o direito de impôr a grafia de um neologismo.
Vem isto a propósito de um comentário que recebi por e-mail, em que A Nunes (do blog DispersaMente) comenta que o cartoonista Ferreira dos Santos usa o termo cartum, à semelhança do que fazem os brasileiros. Por minha parte, estou mais disponível para regressar à utilização da palavra cartune do que para usar o brasileirismo. Porque o vocábulo aportuguesado está mais próximo do significado original; cartoon é o anglicismo do substantivo cartão.
Muito antes de existirem as fotocopiadoras ou outros meios de reprodução ao alcance fácil, nos ateliers (ateliês...) de tapeçaria faziam-se tapetes a reproduzir uma vez, duas, dez, cem vezes um desenho que o artista desenhava sobre cartão. Era um material muito mais resistente do que o papel, e só resistindo às bolandas da oficina ele poderia continuar a ser reproduzido pelas artesãs dos tapetes anos adiante. Hoje, a sua degradação não seria problema, pois rapidamente a fotocopiadora ou a impressora do computador criaria num instante nova cópia a partir do original bem guardado em arquivo. Ainda hoje se chama cartão ao original que o artista cria (por vezes no "vidro" do computador...) com vista à elaboração de uma tapeçaria....E o termo transferiu-se para a área do desenho satírico, provavelmente porque os primeiros caricaturistas terão sido gente com mão "feita" nas oficinas de tapeçaria...
O termo cartum desvia-se daquele conceito.
Zé Oliveira
(Transcrição dum post colocado hoje mesmo no "Buraco da Fechadura". Só tem a mais o desenho/cartoon, que se está mesmo a ver há-de ser de Zé Oliveira - ó António não se zangue comigo, que despoletei, parece-me, esta tramóia toda!)
Mas é assim, pela publicidade das nossas opiniões, variadas, algumas contraditórias, algumas até paradoxais, que vamos trilhando o caminho que julgamos mais correcto. O pior é quando chegamos aos cruzamentos sem sinalização!).
---
asn

1 comment:

Zé Oliveira said...

...porque se partirmos do princípio de que se deve dizer "cartum", teremos de chamar "cartuMista" ao seu autor. E está-se mesmo a ver que um desenhador satíco não é uma sanduiche de queijo e presunto! Essas sim, são Mistas!